terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Macacos geneticamente modificados para exibir sintomas de autismo

Mas não está claro o quanto os resultados correspondem à condição em seres humanos

| David Cyranovski | Nature, Vol. 529, nr. 7587, p. 449 | 25/1/2016 | Trad. Argemiro Garcia |

Macaco utilizado no experimento.
Os macacos de laboratório correm em círculos obsessivamente, em grande parte ignoram seus pares e grunhem ansiosamente quando encarados. Projetados para terem um gene relacionado com o transtorno do espectro do autismo em pessoas, os macacos são o modelo animal mais realista da condição até agora, dizem seus criadores. Os pesquisadores acreditam que os animais trarão novas maneiras de testar tratamentos e investigar a biologia do autismo. Mas o júri ainda está reticente sobre se a condição dos macacos corresponde ao autismo humano.

O autismo tem uma vasta gama de sintomas e tipos, e os investigadores pensam que pelo menos 100 genes desempenham algum papel. Os cientistas que conduziram o mais recente trabalho, publicado em 25 de janeiro na revista Nature (Z. Liu et al. Nature http://doi.org/bb3k; 2016), voltaram-se para o gene MECP2, relacionado com o autismo: muitos dos seus sintomas são encontrados em pessoas que têm cópias extras do gene (síndrome da duplicação do MECP2), bem como em pessoas que têm certas mutações neste gene (síndrome de Rett). Os pesquisadores já tinham criado anteriormente macacos para ter genes relacionados com o autismo (H. Liu et al. Cell Stem Cell 14, 323–328; 2014), mas esta é a primeira demonstração publicada de uma ligação entre os genes e o comportamento dos animais.

Voltando a 2010, a equipe que realizou o mais recente trabalho, liderado por pesquisadores do Instituto de Neurociências da Academia Chinesa de Ciências, em Xangai, anexaram genes humanos MECP2 a um vírus inofensivo, que foi injetou nos óvulos de macacos-cinomolgos (Macaca fascicularis). Os óvulos foram então fertilizados e os embriões em desenvolvimento foram implantados em fêmeas. O resultado foram oito recém-nascidos geneticamente manipulados, cada um tendo uma a sete cópias extras do MECP2. Exames de outros macacos, natimortos, revelaram que as cópias adicionais estavam sendo expressas no cérebro. "Esse foi o primeiro momento emocionante", diz Zilong Qiu, biólogo molecular do Instituto de Neurociências e co-autor do artigo.

O próximo avanço veio cerca de um ano mais tarde, quando os macacos mostraram comportamentos que sugeriam autismo: correr de forma estranha em círculos fechados. "Se um outro macaco está em seu caminho, quer saltar sobre este, ou dar a volta, depois retornando à sua trajetória circular original", relata o co-autor Sun Qiang, biólogo reprodutivo do Instituto.

A equipe efetuou uma bateria de testes comportamentais que demonstraram que todos os macacos tinham, pelo menos, um sintoma semelhante a autismo, como um comportamento repetitivo ou anti-social, e que foram mais graves nos machos, como é observado em pessoas com as duplicações do MECP2. Mas isso ainda não era suficiente para ter certeza de que os macacos eram um modelo de autismo - e um artigo que a equipe submeteu para publicação em 2013 foi rejeitado. Entre outras coisas, os revisores queriam saber se o comportamento incomum era apenas resultado de mexer com o genoma. "Precisávamos mostrar que o gene faz a diferença", lembra Qiu.

Essa oportunidade veio com a geração seguinte de macacos, que a equipe criou com uma velocidade sem precedentes. Quando os macacos fizeram 27 meses de idade e ainda não estavam sexualmente maduros, a equipe de Sun tomou testículos dos machos, amadureceu o tecido artificialmente enxertando-o sob a pele do dorso de ratos castrados, e usou o esperma resultante para fertilizar óvulos de macacos não-manipulados. A prole apresentou comportamento anti-social em cerca de 11 meses. Genes e sintomas pareciam ter passado para uma segunda geração, finalmente convencendo os revisores, diz Qiu.

O modelo macacos-cinomolgos é "superior" a modelos de rato de autismo porque "apresenta mais claramente alguns dos comportamentos do tipo autismo", comenta Alysson Muotri, pesquisa de células-tronco, autismo e síndrome de Rett na Universidade da Califórnia, San Diego. Mas ele acrescenta que os sintomas em ratos e macacos ainda parecem menos severos do que "aquele que realmente observamos em pacientes humanos". "Continua necessário verificar se o modelo pode realmente gerar novos insights sobre a condição humana", diz ele.

Huda Zoghbi, pioneira dos estudos de MECP2 em camundongos no Baylor College of Medicine em Houston, Texas, é ainda mais cauteloso. Os macacos não imitaram alguns dos sintomas da duplicação do MECP2 em humanos, como convulsões e problemas cognitivos graves, observa ela. Poderia ser porque a expressão do gene no modelo de macaco é acionada por um mecanismo diferente que em seres humanos - uma limitação que os autores reconhecem - e ela aconselha cautela na utilização do modelo para fazer suposições sobre o autismo humano.

Qiu, entretanto, está animado com a perspectiva de usar o modelo para identificar exatamente onde no cérebro a superexpressão do MECP2 causa problemas. Sua equipe já está usando a tecnologia de imageamento do cérebro em macacos para identificar tais áreas. Em seguida, os pesquisadores planejam usar a técnica de edição de gene CRISPR para desligar as cópias extras do MECP2 em células nessas regiões e, em seguida, verificar se os sintomas similares a autismo param.

É pouco provável que essa técnica venha a ser aprovada para uso em pessoas tão cedo. Mas as regiões identificadas no estudo com macacos podem ser associadas a outros tratamentos existentes, como a estimulação cerebral profunda, que tem tido sucesso no tratamento da doença de Parkinson e da depressão. Uma vez que a estrutura do cérebro do rato é tão diferente da humana, Qiu diz que o imageamento dos macacos permitirá que mais paralelos possam ser traçados com os seres humanos do que permitem os estudos ratos. Trabalhando com um hospital de saúde mental, a equipe também está tentando identificar os genes ligados ao autismo que são mais comuns na população chinesa.

Se primatas não-humanos provarem ser um modelo útil para transtornos psiquiátricos, China e outros países que estão investindo pesadamente em pesquisa com esses animais, como o Japão, podem ganhar vantagem na investigação do cérebro. Muotri diz que tais estudos provavelmente não seriam feitos nos Estados Unidos, onde a investigação em macacos é mais cara e controversa. "China e Japão têm uma clara vantagem sobre os EUA nesta área", comenta.

Cyranovski, David – Monkeys genetically modified to show autism symptoms. Nature. Vol. 529, nr. 7587, p 449. Macmillan Publishers Limited.
http://www.nature.com/news/monkeys-genetically-modified-to-show-autism-symptoms-1.19228


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