" 'Ora (direis) ouvir estrelas! Certoperdeste o senso!' E eu vos direi, no entanto,que, para ouvi-las, muita vez despertoe abro as janelas, pálido de espanto..."
Olavo Bilac
Meu nome é Argemiro Garcia. Já fui muito conhecido na chamada "Comunidade Autista" - pessoas autistas, seus familiares e profissionais que os atendem. Sou pai de Gabriel, hoje com 27 anos, um rapaz autista não-verbal. Há 24 anos atrás, quando ele começou a olhar fixamente seus dedos, parou de atender ao ser chamado; olhar para a parede fixamente, comentei com Mariene, minha esposa:
-"Será que ele é autista?"
De autismo, sabíamos muito pouco, quase nada. Contamos com o auxílio de assistentes sociais da Petrobrás, onde trabalho como geólogo. Havia bem pouca literatura sobre o assunto e a internet era brutalmente menor do que é hoje. Em 2003, Mariene conheceu a comunidade virtual do Yahoogrupos, Autismo no Brasil, fundada por Priscila Siomara Gonçalves, de Americana (SP). Na necessidade, ânsia de aprender, nós, mães e pais, trocávamos ideias e informações. Naquela época, não tínhamos notícia de nenhum diagnóstico em adultos, apenas crianças eram identificadas. Havia paradigmas: "vivem em seu próprio mundo", "não têm empatia", "não sabem brincar", "não têm sentimentos", "não entendem nada", "jamais terão vida autônoma". Ideias eram espalhadas: a causa seria "a mãe-geladeira", "a vacina", "o espirito não se instalou direito no cérebro".
Relatos feitos por autistas eram raríssimos; por isso, comemorávamos cada texto escrito por uma pessoa autista. O primeiro livro importante traduzido foi Uma Menina Estranha (Emergence: labeled autistic) da engenheira autista Dra. Temple Grandin. Houve outros: Stephen Shore veio ao Brasil em 2003, para um evento no Rio patrocinado pela ABRA; Sue Rubin concorreu ao Oscar de documentário curta-metragem em 2005 com seu "Autism is a World". Comemorávamos cada acesso a explicações lógicas, como pedaços do mapa que nos orientaria a ajudar nossos filhos. Os objetivos formavam uma tríade, nossos filhos seriam: felizes, autônomos e independentes.
Por isso, não gosto de ver familiares que se irritam com os adultos autistas, chegando a agredi-los quando se posicionam. Fernanda Santana, Rita Louzeiro, Amanda Paschoal, William Silva, Ciel e tantos outros contam como se sentem, apresentam ideias para ajudarmos nossos filhos a ser felizes. Estes adultos autistas, muitos deles diagnosticados tardiamente, passaram muitos perrengues, muitas vezes sofreram bullying, mas chegaram até onde estão sem serem isolados da sociedade - e são solidários com outros autistas, estão a defender nossos filhos, lutam para que todos possam ter acesso a seus direitos. Abrem janelas e portas para entendermos seu jeito de ser.
Eles, mais do que ninguém, sabem o que é o autismo. Por isso, sou grato a eles e ouço o que têm a dizer.
(A citação de Olavo Bilac faz uma pequena homenagem àquele que, talvez, tenha sido o primeiro autista com quem convivi: o Grande Wilson, meu professor de Literatura no Colégio Estadual Presidente Roosevelt nos anos de 1975 e 1976). Hoje, lembrando dele, percebo que suas idiossincrasias, seu hiperfoco, sua prosódia, sua expressão facial levam todo o jeito de um autista adulto não diagnosticado.