"A minha irmã foi destruída"
Entrevista: actriz francesa Sandrine Bonnaire
| Eurico de Barros | Diário de Notícias |
| Portugal, 23/10/2007 |
Disse numa entrevista que Elle s'appelle Sabine nasceu de um sentimento de cólera e de injustiça, quando viu que a condição da sua irmã autista tinha regredido, após passar cinco anos num hospital psiquiátrico. Mas o motor do filme não é também um grande gesto de amor fraternal?
Sim, também. Mas não preciso de fazer um filme para que ela saiba que esse amor existe. Fiz Elle s'appelle Sabine para sensibilizar os poderes públicos, porque a França tem dinheiro, fala muito dos direitos do homem e, se é assim, é preciso que o Estado tenha um pouco de respeito pelos doentes como a minha irmã. Em 2001, fui madrinha das Jornadas Nacionais do Autismo em França e apercebi-me da quantidade de pessoas e de famílias como a minha que tinham dificuldades com autistas. A minha irmã foi destruída por um sistema inteiro, que também destrói outras pessoas. E há muito poucos centros médicos para eles, os que há são quase todos fundados por pais. Nos outros, não há lugares. E isso não é normal.
O centro onde a sua irmã está internada, na Charente, é como uma pequena família...
Exactamente. É como um pequeno lar. Eu quis mostrar o trabalho dos educadores, as suas dificuldades, e toda a ternura que sentem por aqueles de que cuidam. O hospital não é uma solução, porque é feito para as pessoas doentes se curarem e ir embora. Mas os autistas nunca terão cura porque não são doentes, são deficientes. Não voltarão a ser "normais".
Quando decidiu fazer o filme, falou com a sua família, com as suas irmãs e irmãos, com a sua mãe, e pediu-lhes a opinião?
Sim. Alguns eram a favor e outros contra. Os contra temiam que eu mostrasse coisas de mais, que falasse da família. Assegurei-os ao máximo, mas só se acalmaram quando viram o filme. Os que eram a favor diziam que o filme iria ter um impacto importante. Hoje, todos acham que fiz bem em o ter feito.
Elle s'appelle Sabine inclui muitas imagens das férias que vocês fizeram juntas, nomeadamente aos EUA. O filme teria existido se não houvesse essas imagens?
Nunca. Porque teria sido um filme muito explicativo e só diria respeito a mim, na lembrança da minha irmã. Essas imagens fazem com que eu não tenha de contar muita coisa, porque falam por si próprias e permitem ver Sabine nos seus dois estados. O hospital destruiu as suas capacidades e ela teve de reaprender tudo o que já sabia. Quando se fica muito tempo num hospital psiquiátrico, ele transforma-se numa prisão. Em França há pessoal a menos para tantos doentes. E, como não conseguem geri-los todos, dão-lhes medicamentos. E isso é injusto, não pode acontecer. Pagamos impostos e temos a segurança social para que estas coisas não sucedam. E acontece o mesmo com os idosos.
Teve muitas reacções ao filme?
Sim, foi colossal. Nem sei como geri-las todas, tal o volume de solicitações de famílias, de associações, de pedidos para ser madrinha de iniciativas ligadas ao autismo. Fiquei muito contente porque tive a solidariedade dos media, do público, do meio artístico, até de políticos. O filme conseguiu abrir portas, porque o tema é universal.
O facto de ter usado uma câmara digital ajudou-a na logística da rodagem e a dar ao filme a necessária dimensão íntima?
Imenso. Eu queria filmar-me a dialogar com ela e já tinha decidido que a voz off seria a minha. Não queria aparecer senão quando se justificasse muito. É tudo muito íntimo, como disse, é o meu olhar e a história dela associada à minha, e esta câmara facilitou tudo muito. Com uma câmara convencional teria sido mais difícil e penoso.
Filmou muito e teve de cortar muita coisa? Isso custou-lhe?
Sim. Cortei, por exemplo, uma cena em que filmei Sabine com uma sobrinha nossa a representar um texto de Brecht que eu estava a fazer na altura. Mas decidi deixá-la de fora porque resultou muito sombria, o texto era muito grande e o filme ficaria longo de mais.
A sua irmã viu o filme. Como é que ela reagiu?
Muito bem. Lembrou-se de tudo, de todas as imagens do passado. E riu--se das imagens de hoje, das cenas em que é violenta. No final perguntei-lhe se tinha gostado e ela respondeu: "Sim. Quando é que me vais ver?" Telefonei-lhe depois de o filme ter ido ao Festival de Cannes e ela pediu-me um DVD. Mandei-lho, e desde então vê-o todos os dias. Quando lhe ligo e pergunto: "O que é que fizeste hoje?", responde: "Vi o nosso filme." E tem razão, é mesmo o nosso filme.
"A minha irmã foi destruída"
http://dn.sapo.pt/2007/10/23/artes/a_minha_irma_destruida.html
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