Mas não está claro o quanto os resultados correspondem à
condição em seres humanos
| David Cyranovski | Nature, Vol. 529, nr. 7587, p. 449 |
25/1/2016 | Trad. Argemiro Garcia |
Macaco utilizado no experimento. |
O autismo tem uma vasta gama de sintomas e tipos, e os
investigadores pensam que pelo menos 100 genes desempenham algum papel. Os
cientistas que conduziram o mais recente trabalho, publicado em 25 de janeiro
na revista Nature (Z. Liu et al. Nature http://doi.org/bb3k; 2016), voltaram-se para o
gene MECP2, relacionado com o autismo: muitos dos seus sintomas são encontrados
em pessoas que têm cópias extras do gene (síndrome da duplicação do MECP2), bem
como em pessoas que têm certas mutações neste gene (síndrome de Rett). Os
pesquisadores já tinham criado anteriormente macacos para ter genes
relacionados com o autismo (H. Liu et al. Cell Stem Cell 14, 323–328; 2014),
mas esta é a primeira demonstração publicada de uma ligação entre os genes e o
comportamento dos animais.
Voltando a 2010, a equipe que realizou o mais recente
trabalho, liderado por pesquisadores do Instituto de Neurociências da Academia
Chinesa de Ciências, em Xangai, anexaram genes humanos MECP2 a um vírus
inofensivo, que foi injetou nos óvulos de macacos-cinomolgos (Macaca fascicularis). Os óvulos foram
então fertilizados e os embriões em desenvolvimento foram implantados em
fêmeas. O resultado foram oito recém-nascidos geneticamente manipulados, cada
um tendo uma a sete cópias extras do MECP2. Exames de outros macacos,
natimortos, revelaram que as cópias adicionais estavam sendo expressas no
cérebro. "Esse foi o primeiro momento emocionante", diz Zilong Qiu,
biólogo molecular do Instituto de Neurociências e co-autor do artigo.
O próximo avanço veio cerca de um ano mais tarde, quando os
macacos mostraram comportamentos que sugeriam autismo: correr de forma estranha
em círculos fechados. "Se um outro macaco está em seu caminho, quer saltar
sobre este, ou dar a volta, depois retornando à sua trajetória circular
original", relata o co-autor Sun Qiang, biólogo reprodutivo do Instituto.
A equipe efetuou uma bateria de testes comportamentais que
demonstraram que todos os macacos tinham, pelo menos, um sintoma semelhante a
autismo, como um comportamento repetitivo ou anti-social, e que foram mais
graves nos machos, como é observado em pessoas com as duplicações do MECP2. Mas
isso ainda não era suficiente para ter certeza de que os macacos eram um modelo
de autismo - e um artigo que a equipe submeteu para publicação em 2013 foi
rejeitado. Entre outras coisas, os revisores queriam saber se o comportamento
incomum era apenas resultado de mexer com o genoma. "Precisávamos mostrar
que o gene faz a diferença", lembra Qiu.
Essa oportunidade veio com a geração seguinte de macacos,
que a equipe criou com uma velocidade sem precedentes. Quando os macacos
fizeram 27 meses de idade e ainda não estavam sexualmente maduros, a equipe de
Sun tomou testículos dos machos, amadureceu o tecido artificialmente
enxertando-o sob a pele do dorso de ratos castrados, e usou o esperma
resultante para fertilizar óvulos de macacos não-manipulados. A prole
apresentou comportamento anti-social em cerca de 11 meses. Genes e sintomas
pareciam ter passado para uma segunda geração, finalmente convencendo os
revisores, diz Qiu.
O modelo macacos-cinomolgos é "superior" a modelos
de rato de autismo porque "apresenta mais claramente alguns dos
comportamentos do tipo autismo", comenta Alysson Muotri, pesquisa de
células-tronco, autismo e síndrome de Rett na Universidade da Califórnia, San
Diego. Mas ele acrescenta que os sintomas em ratos e macacos ainda parecem
menos severos do que "aquele que realmente observamos em pacientes
humanos". "Continua necessário verificar se o modelo pode realmente
gerar novos insights sobre a condição humana", diz ele.
Huda Zoghbi, pioneira dos estudos de MECP2 em camundongos no
Baylor College of Medicine em Houston, Texas, é ainda mais cauteloso. Os
macacos não imitaram alguns dos sintomas da duplicação do MECP2 em humanos,
como convulsões e problemas cognitivos graves, observa ela. Poderia ser porque
a expressão do gene no modelo de macaco é acionada por um mecanismo diferente
que em seres humanos - uma limitação que os autores reconhecem - e ela
aconselha cautela na utilização do modelo para fazer suposições sobre o autismo
humano.
Qiu, entretanto, está animado com a perspectiva de usar o
modelo para identificar exatamente onde no cérebro a superexpressão do MECP2
causa problemas. Sua equipe já está usando a tecnologia de imageamento do
cérebro em macacos para identificar tais áreas. Em seguida, os pesquisadores
planejam usar a técnica de edição de gene CRISPR para desligar as cópias extras
do MECP2 em células nessas regiões e, em seguida, verificar se os sintomas
similares a autismo param.
É pouco provável que essa técnica venha a ser aprovada para
uso em pessoas tão cedo. Mas as regiões identificadas no estudo com macacos
podem ser associadas a outros tratamentos existentes, como a estimulação
cerebral profunda, que tem tido sucesso no tratamento da doença de Parkinson e
da depressão. Uma vez que a estrutura do cérebro do rato é tão diferente da
humana, Qiu diz que o imageamento dos macacos permitirá que mais paralelos possam
ser traçados com os seres humanos do que permitem os estudos ratos. Trabalhando
com um hospital de saúde mental, a equipe também está tentando identificar os
genes ligados ao autismo que são mais comuns na população chinesa.
Se primatas não-humanos provarem ser um modelo útil para
transtornos psiquiátricos, China e outros países que estão investindo
pesadamente em pesquisa com esses animais, como o Japão, podem ganhar vantagem
na investigação do cérebro. Muotri diz que tais estudos provavelmente não seriam
feitos nos Estados Unidos, onde a investigação em macacos é mais cara e
controversa. "China e Japão têm uma clara vantagem sobre os EUA nesta
área", comenta.
Cyranovski, David – Monkeys genetically modified to show autism
symptoms. Nature. Vol. 529, nr. 7587, p 449. Macmillan Publishers Limited.
http://www.nature.com/news/monkeys-genetically-modified-to-show-autism-symptoms-1.19228
http://www.nature.com/news/monkeys-genetically-modified-to-show-autism-symptoms-1.19228
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