sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Autismo e o peru na concha

| Aimee O'Connell | Autism support network (Rede de apoio ao autismo) | Tradução: Argemiro Garcia |

Minha atenção está voltada para meu filho. Quanto mais velho fica, mais aprendo com ele. Aos seis anos, já mostra uma incrível capacidade com caneta e papel que me confunde a mente. Ele não é um artista de retratos clássicos ou um talentoso desenhista da vida selvagem, mas consegue capturar expressões emocionais em simples desenhos de animais, como eu sequer tentaria fazer. Ele ainda troca letras quando imprime e ainda soletra as palavras, mas quando se trata de desenhar amigos animais imaginários, é um gênio gráfico. Assim, não fico surpresa que veja coisas através de lentes diferentes das que normalmente uso.

Na semana passada, estávamos em um restaurante. Pedi linguine com frutos do mar, que veio com mariscos e mexilhões. Ele, como sempre, pediu massa simples com manteiga, e declarou-se satisfeito depois de cerca de cinco garfadas. Ele já havia desfrutado tudo que o espaço permitiria e estava ficando impaciente, enquanto o resto de nós comíamos. Limpei uma das conchas com um guardanapo e dei a ele para brincar. Eu imaginei que ele iria fazê-la falar, como a uma marionete, o que ele fez ... até que todo o seu rosto se iluminou e ele disse baixinho:

- "Eu vou fazer um PERU!"

Não prestei muita atenção ao comentário mas, depois disso, passou a segurar a concha com muito cuidado, para não quebrá-la, e me disse, no momento em que fizemos contato ocular, que precisava fazer uma tarefa assim que chegássemos em casa.

- "Não posso esperar para fazer o meu peru! " Na minha cabeça, imaginei-o colando olhos arregalados no lugar de costume, em seguida, fazer a boca abrir e fechar como se dissesse glu-glu-glu. Talvez mesmo colasse na cor amarela ou laranja, como um bico.

A emoção da antecipação o consumia tanto que o meu rapaz tímido chegou a parar um cliente na saída para dizer-lhe que ia fazer um peru quando chegasse em casa. O homem, surpreso, sorriu e disse:

- " Bom para você, amigo!"

Eu ainda não pensava muito naquilo. Quando chegamos em casa, as meninas logo se aprontaram para a hora do pijama e ele foi direto para a mesa com papel, tesoura, lápis de cor e cola.

- "É hora de fazer o meu peru! " - Fiquei aliviada de ter um pouco de tranquilidade e mantive-me ocupada com tudo o que uma mãe tem que fazer (...isto é, Tudo!).

Dez minutos depois, ele me apresentou o projeto acabado. Eu parei com "tudo", espantada.

Ele tinha feito um peru.

Em um milhão de anos eu não teria visto um peru naquela concha. Minha mente fechada só viu o clichê, a forma habitual de olhar para a concha. Mas aquele peru me trouxe um momento de iluminação.

Um "peru na concha de marisco" é uma metáfora perfeita para a vida aspie. Tantas vezes vemos as coisas, literal ou figurativamente, no espaço ou no olhar de nossa mente, que ninguém mais pode, efetivamente, ver... e, mais importante, que nos excita e delicia para plena realização do que vemos. Para o meu filho, era um peru em uma concha. Para mim, geralmente é alguma percepção sobre a natureza humana e espiritualidade, ou alguma conexão entre conceitos que cria uma forma limpa, curta, direta para resolver o que parece ser uma bagunça complicada . E... ninguém mais vê.

Não é que sejamos particularmente gênios ou importantes por ver o que vemos, é quão significativo é para nós, e como é impossível comunicar para alguém. No caso do meu filho, ele foi capaz de traduzir para o espaço tangível e compartilhá-lo. Aposto que o homem com quem ele falou no restaurante não teve outro pensamento, nem que iria esperar um produto acabado como o descrito acima. Mas quando meu filho disse, fez com grande convicção e alegria. Ele estava borbulhando de alegria com a sua visão criativa.

Lembro-me de ter um momento desses, quando tinha cinco anos. Do nada, percebi que a maioria das crianças são automaticamente programadas para fazer perguntas primeiro para suas mães e não para seus pais, mesmo que seu pai esteja sentado bem na sua frente. Isso me ocorreu quando minha colega passou por seu pai perfeitamente alerta e capaz para perguntar a sua mãe dentro de casa algo que bem poderia ter perguntado a ele, do lado de fora. Compartilhei o meu espanto com nosso outro amigo que estava esperando lá fora, observando como achei estranha a necessidade de as crianças correrem para suas mães em vez dos pais. Eu não sabia que seu pai acharia tão ofensivo, principalmente porque eu disse com a mente de um antropólogo e não insultando o pai de meu amigo, então foi um grande choque mais tarde, quando foi repreendida por ter sido rude e obrigada a me desculpar com ele. Insisti que eu não fiz nada de errado, mas não havia o que a fazer... Tive que me desculpar. Parecia muito mais ofensivo a MIM ter que pedir desculpas pela observação inofensiva (e, para mim, emocionante). E, quando tudo foi feito, minha amiga ainda ia para a mãe, não o pai, então meu pedido de desculpas nada mudou.

Muitas vezes me sinto mal interpretada, e isso incomoda mais quando é algo que me afeta profundamente - ainda mais se não consigo compartilhar com mais ninguém. Na maioria das vezes, não vai mudar o mundo, mas ao longo do tempo, faz-me sentir como se minhas ideias (sobre coisas completamente fúteis , sim) não valem o esforço, porque as outras pessoas não vêem o maneira que eu vejo. Tem sido um desafio ao longo da vida empurrar-me para tentar me comunicar melhor, ser mais paciente para explicar o que quero dizer, ser mais tolerante quando os outros não vêem o que eu vejo... e me agarrar a minha visão, mesmo quando é muito mais fácil apenas jogar a concha de distância.

Mas agora tenho um desafio maior. Não se trata mais só de mim... trata-se dos meus filhos. É minha tarefa incentivá-los, mesmo quando o resto do mundo não puder ver o peru na concha. Na verdade, o mundo pode mesmo nunca ver o peru ... mas não ouse deixar extinguir-se a centelha interior. Se você sabe que está lá... então confie que está. Apegue-se a suas convicções. Teste-as para si mesmo, não para qualquer outra pessoa. Persevere em comunicá-las. E o mais importante, nunca negue que o peru está lá, mesmo se ninguém puder encontrá-lo. Não deixe que os outros falem com você sobre quem você é, porque eles não têm o seu auto-olhar!

Senhor... Deixe que meus filhinhos me conduzam!

Autism and the turkey in the clamshell
http://www.autismsupportnetwork.com/news/autism-and-turkey-clamshell-2348902


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Um comentário:

Krapf disse...

Posta a foto do peru! :-)